Estrelinhas

sábado, 20 de outubro de 2012

O Anjo de Delores, AIDS & Flores. – (Anjos Entre Nós).

 
 O Anjo de Delores, AIDS & Flores. – (Anjos Entre Nós).

“Não vos esqueçais da hospitalidade. Por meio dela, alguns sem o saberem, hospedaram anjos”... (Hebreus 13:2).
 
"Delores telefonou para o escritório e cancelou os seus compromissos da tarde. Foi para casa e percorreu-a toda, revivendo a sua vida com Cliff. O que ele havia dito ou feito que pudesse denunciá-lo? O que lhe passara despercebido?"

“Mas não apressemos as conclusões” – pensou ela. Você nada sabe ao certo... Só ouviu alguém dizer. O marido iria rir desses mexericos. Inadmissível em um tribunal. Não prova nada. Espere até ouvir o que ele tem a dizer. Gay?

Ela nada tinha contra os gays. Achava que eles tinham o direito de escolher o rumo sexual que desejavam. Apenas ela jamais esperara casar-se com um deles.
Mas ele não era gay! Tinha estado casado antes. Gostava de mulheres. Quando era solteiro, vivia saindo com mulheres. E ela tinha ido com ele para a cama. Em um tribunal, o seu depoimento teria de ser que ele sentia prazer em fazer amor com uma mulher.

Mas será que realmente sentia prazer? Suas relações sexuais com ele haviam minguado há muito tempo, e agora os dois podiam muito bem estar dormindo em camas separadas. O que lhe era indiferente. Mas, e se ele gostava de mulheres e de homens? Bissexual?!
Ela sentou-se na poltrona em frente à janela da sala. A luz do sol perpassava as cortinas e lhe aquecia a cabeça e os ombros. E ficou olhando as sombras que se moviam no tapete, viu-as apagarem-se lentamente até que, no lusco-fusco do crepúsculo, os móveis pareciam fantasmas mudos que chorassem a morte do sol.

Finalmente, ouviu a aproximação de um carro e o bater de porta. A porta de entrada se abriu e Cliff acendeu a luz: - Delores! – exclamou, piscando ao focalizar os olhos.
- Vamos conversar. - Ele se aproximou: - Qual é o problema?

- Sente-se – disse ela. Ele sentou-se no sofá ao lado. – Por que você se casou comigo? – ela indagou.
- De que você está falando?

- Você é gay? – Ela fixou nela os olhos, perplexo, e ela percebeu tudo. – Não quero ouvir mentiras nem desculpas. Quero a verdade, toda ela.
- Não sei de que você está falando.

- Você foi visto! – exclamou ela. – Agora fale!
Ele ergueu-se. Deus alguns passos em torno da sala, examinando um quadro, uma cadeira, um vaso, olhando com um ar vazio como se estivesse ouvindo vozes, cada uma tentando falar mais alto do que as outras. Finalmente, voltou-se para ela: - Creekwater’s?

- Exato.
- Eu sabia que não devíamos ter ido lá. Estávamos bebendo, e pensei que havia pouca probabilidade de você ficar sabendo. Ou qualquer outra pessoa que me conhecesse.
 
- Tornou a sentar-se, e as palavras começaram a sair-lhe, aos borbotões, da boca. Tinha tido o seu primeiro encontro gay na universidade. Mas também gostava de mulheres. E tinha ambições, o que significava uma esposa, um lar, e talvez filhos para completar a sua imagem, à medida que progredisse em sua carreira.
 
O primeiro casamento não dera certo porque, mesmo naquele tempo, não conseguiu manter a sua paixão pela esposa. Ela era fogosa, e procurou outros. Mas ele continuava a desejar uma casa e uma esposa capaz de receber convidados nessa casa. E se apaixonar por ela.

Sim, realmente a amava. Mas ela não podia satisfazê-lo inteiramente. Nenhuma mulher podia. Periodicamente, sua fome interna o fazia buscar homens.
- Quantos? – perguntou ela.- Quantos homens você teve na vida?

Ele hesitou. – Alguns.
- Alguns durante nosso casamento, alguns em ambos os casamentos, ou alguns desde os tempos da universidade?

- Esta é uma conversa louca...
- Responda! – gritou ela. Ele não falava. – Enquanto estivemos casados, você dormiu com vários homens?

- Você tem de compreender, Delores – disse ele -. – Eu... eu tenho minhas necessidades.
- Ela ergueu-se de um pulo. – Exato! Quero que você vá embora.

- Não, Delores – disse ele, segurando-lhe o braço.
- Agora! – bradou ela, esquivando-se dele.

- Está bem. Irei. Mas não provoque escândalo. Não será melhor para você do que para mim.
Naquele instante, ela pensou nos pais. Pensou no seu trabalho, no novo emprego que a aguardava. E pensou em Jeff. Jeff, por que você tinha de morrer?
 
Em voz mais calma, ela e Cliff traçaram os termos de um acordo. Continuariam vivendo naquela casa, mas em quartos separados. Tomariam providências para o divórcio, mas tudo se passaria de maneira amigável e decente... Foi então que Delores pensou em outra coisa. – E quanto a AIDS? – ela indagou.

- Não há perigo.
- Claro que há perigo.

- Eu sempre tive cuidado – argumentou ele.
- Formidável. Sabe quantas pessoas são HIV positivas? Li no jornal que são mais de dois milhões.

- Mas não precisamos nos preocupar.
- Eu preciso me preocupar. Amanhã mesmo irei ao consultório do Dr. Kinder para me examinar. – disse ela.

- O que vai dizer a ele?
- Simplesmente que quero fazer o exame.

- Ele vai perguntar por quê.
- Não se preocupe. Não vou dizer a ele que tenho um marido que vive dormindo com gays. - E, se você tem juízo, deve ir examinar-se imediatamente.

Mas ele não foi fazer o exame. Só depois que surgiu aquela tosse persistente. E só depois que começou a perder peso. Àquela altura, o processo de divórcio já ia bem adiantado. Mas após o diagnóstico d AIDS avançada, ela suspendeu o processo. Agora, no quarto do hospital, ela estava feliz por ainda ser a esposa de Cliff. Pudera confortá-lo em sua dor, e talvez lhe houvesse dado mais coragem para enfrentar o que estava por vir.
Viúva novamente. Dentro em pouco guardaria a memória de dois maridos mortos. Jeff iria encontrar-se com Cliff? Poderia recebê-lo em um outro mundo, onde Cliff pudesse respirar sem dificuldade e ter a força para sentar-se, falar e caminhar?

Conversariam os dois, a respeito dela? O que diriam da mulher – ainda jovem – que ficara para trás, na Terra? Desejariam que ela encontrasse outro alguém e se apaixonasse e se casasse novamente?
 
Oh, Jeff, Jeff... Você foi o meu amor único e verdadeiro. Para sempre jovem em meu coração, para sempre aquele que me teve no desabrochar do amor, aquele que pintou o futuro como um arco-íris de beleza, aquele que em nosso primeiro aniversário me deu um buquê de flores cujo perfume era mais doce que o hálito dos anjos!
 
Estava sentada na cadeira ao lado da cama de Cliff, a cabeça recostada a um travesseiro e olhos fechados, quando ouviu a voz. – Delores! - Ela abriu os olhos, estonteada de início. Alguém chamara o seu nome. Depois, ouviu-o de novo: - Estou aqui, Delores.
 
Ela voltou-se para o lado de aonde vinha a voz. Alguém estava lá, de pé, um dos braços atrás das costas. – Jeff? – murmurou ela, mal acreditando no que via. Não podia ser Jeff, Jeff estava morto. – Sou eu – disse ele.

Ela tentou levantar-se e quase caiu, os joelhos trêmulos. Ele aproximou-se e pôs o braço livre em torno dela para apoiá-la. – Como pôde...? – Tocou o braço dele. Encostou-se a ele. Depois recuou: - Não. Estou sonhando.

- Isso é um sonho? - indagou ele. – E, com a mão que estava atrás das costas, estendeu-lhe um buquê. Lírios de mistura com frésias cor-de-rosa, lavanda e amarelas. O buquê deles, aquele buquê especial. O aroma, o perfume doce e belo, diferente de quaisquer outras flores da Terra.
Uma fragrância divina, como o amor dos dois tinha sido. Era Jeff! Jeff voltara para ela! Abraçou-o, esmagando as flores entre os dois. Sentiu a mão dele acariciando-lhe os cabelos e ouviu a mesma voz que murmurava para ela quando os dois estavam abraçados na cama.

- Tudo dará certo, Delores. Você estará bem. Cliff estará bem.
Ela pôs-se a chorar. Era tão bom chorar, tão bom ter Jeff em seus braços. Finalmente, parou de chorar, e ela sentiu-se feliz por estar perto dele. E assustou-se quando sentiu que ele começava a afastar-se. – Aonde vai?

- Tenho que voltar.
- Não pode! – implorou. – Não pode me deixar novamente!

Ele sorriu para ela. – Eu jamais a deixarei. Você sempre me encontrará em seu coração. - E começou a recuar.
- Não, Jeff, volte, por favor...

Ele abriu a porta, ainda olhando para ela, os olhos azuis mais penetrantes que nunca. Ergueu as flores acenou e, com um sorriso final, fechou a porta atrás de si.
Delores quis chorar novamente, mas estava seca por dentro. Não tinha mais lágrimas. E aquele não tinha sido Jeff. Jeff estava morto. Mas, havia visto alguém. Um anjo? Podia um anjo ter o mesmo aspecto de Jeff? Quem sabe qual o aspecto de um anjo? Talvez um anjo pudesse parecer-se com qualquer pessoa.
 
Tornou a sentar-se, caindo pesadamente sobre a almofada da cadeira e colocando o travesseiro arás da cabeça. Fechou os olhos, mas não pôde descansar muito tempo. Alguém lhe tocava o ombro. Ela abriu os olhos e viu uma enfermeira.
- Meus pêsames, senhora. Lamento dizer que o seu marido faleceu. - Ela olhou para a cama. O médico, ajudado por outra enfermeira, retirava os tubos e agulhas do corpo de Cliff.  

Delores sentiu um alívio e, depois, uma ponta de decepção. Tudo fôra um sonho. Ela não podia ter visto Jeff. Não tinha visto um anjo. Tinha estado dormindo e sonhando.
- É estranho – disse-lhe a enfermeira.  

- O quê? - perguntou Delores.
- Não era permitido ter flores no quarto, com o seu marido respirando com dificuldade. Mas estou sentindo o cheiro de flores – E virando-se para a outra enfermeira: – Sente o cheiro de flores?

A outra respirou fundo. – Sim, mas não sei que flores são essas...
- Não são rosas – acrescentou a primeira enfermeira.

- “Eu sei que flores são essas” – explicou Delores, sorrindo. – “São lírios do campo e frésias”. [Cf. ‘Anjos Entre Nós’, p.171/76. Don Fearheiley. Nova Era.]
 Luz, Amor e Paz! ( Campos de Raphael).

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