Estrelinhas

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Sonhos: O Homem Terrestre e o Homem Intemporal. (Carl Jung).

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Intróito: Acredito que muitas pessoas, devido a condicionamentos históricos, têm dificuldade de discernir em si próprias entre o homem transitório e o “homem intemporal”. Só a partir dos trinta e quatro anos de idade, após vivenciar uma regressão espontânea ao adentrar as ruínas de um castelo templário no Sul da França, foi que experienciei o “Outro”, intemporal e imortal, por trás das vestes mortais de nossa personalidade terrena.

Carl Jung conhecia essa dificuldade na vida prática, e escreveu em suas ‘Memórias’: O problema das relações entre o “homem intemporal”, o Si-Mesmo, e o homem terrestre no tempo e no espaço, suscita as mais difíceis perguntas. Dois sonhos vieram esclarecê-las...

Reconhecendo a significância desses dois sonhos de Jung, que ajudam a compreender a dualidade humana e o discernir entre o homem mortal e o ser interior, divino e imortal, vamos aqui transcrevê-los.
Luz, Amor e Paz! (Campos de Raphael).

Sonhos: Homem Terrestre e o Ser Intemporal - (Carl Jung).
“Num sonho que tive em outubro de 1958, notei de minha casa dois discos de metal brilhante em forma de pequenas lentes; iam em direção ao lago [de Zurique], por sobre a casa, descrevendo um arco de fraca luz. Eram dois U.F.O. (Unidentified Flying Objects)”.

Em seguida, outro corpo parecia dirigir-se para mim. Era uma pequena lente circular como a objetiva de um telescópio. A quatro ou cinco metros de distância, o objeto imobilizou-se por um instante, e em seguida desapareceu.

Imediatamente após, outro corpo chegou, atravessando os ares: uma pequena lente de objetiva com um prolongamento metálico que terminava numa caixa, uma espécie de lanterna mágica. A sessenta ou setenta metros de distância, parou no ar e me fitou.

Acordei, tomado por um sentimento de espanto. Ainda no meio do sonho uma idéia me atravessou o espírito: “Sempre acreditamos que os Ufos fossem projeções nossas; ora, ao que parece, nós é que somos projeções deles. A lanterna mágica me projeta sob a forma de C.G. Jung, mas quem manipula o aparelho?”
Eu já sonhara certa vez sobre as relações entre o Si-Mesmo e o eu. Nesse sonho de outrora eu caminhava por um atalho; atravessava uma região escarpada, o sol brilhava e tinha sob os olhos, à minha volta, um vasto panorama.

Aproximei-me de uma capelinha, à beira do caminho. A porta estava entreaberta e entrei. Para meu grande espanto não havia nenhuma estátua da Virgem, nem crucifixo sobre o altar, mas simplesmente um arranjo floral magnífico.

Diante do altar, vi no chão, voltado para mim, um iogue, na posição de lótus, profundamente recolhido. Olhando-o mais de perto, vi que ele tinha o meu rosto; fiquei estupefato e acordei, pensando: “Ah! Eis aquele que me medita. Ele sonha e esse sonho sou eu”. Eu sabia que quando ele despertasse eu não existiria mais...

Tive esse sonho depois de minha doença em 1944. É uma parábola: meu Si-Mesmo entra em meditação, como um iogue e medita sobre minha forma terrestre. Poder-se-ia também dizer: ele toma a forma humana para vir à existência tridimensional, como alguém que veste um equipamento de mergulhador para lançar-se ao mar [ou como a veste espacial de um astronauta para lançar-se no cosmo].

O Si-Mesmo, renunciando à existência no além, assume uma atitude religiosa, como o indica a capela na imagem do sonho. Em sua forma terrestre pode fazer experiências no mundo tridimensional e, com a consciência acrescida, progredir no sentido de sua realização.

A personagem do iogue representava, de algum modo, minha totalidade pré-natal inconsciente e o Oriente longínquo – como freqüentemente acontece nos sonhos – um estado psíquico oposto à consciência e que nos é estranho. Como a lanterna mágica, a meditação do iogue “projeta” também minha realidade empírica.
Em geral, aprendemos esta conexão causal em sentido inverso: descobrimos nas produções do inconsciente símbolos de mandalas, isto é, figuras circulares ou quaternidades que exprimem a totalidade e, quando queremos exprimir a totalidade, utilizamos precisamente tais figuras.

Nossa base é a consciência do eu, um campo numinoso que constitui nosso mundo e que está centrado num ponto focal: o eu. A partir deste ponto iluminado nosso olhar mergulha num mundo obscuro e enigmático e não saberiam os dizer em que medida os traços e as sombras que ali discernimos são criação de nossa consciência...

Os dois sonhos tendem à inversão total das conexões entre a consciência do eu e o inconsciente, fazendo do inconsciente o criador da pessoa empírica. A inversão indica que, na opinião do “outro lado de nós”, nossa existência inconsciente é a existência real e que o nosso mundo consciente é uma espécie de ilusão ou a realidade aparente forjada em vista de certo objetivo, à semelhança do sonho que parece ser real quando nele estamos mergulhados. Está claro que esta visão das coisas assemelha-se muito com a concepção do mundo oriental, na medida em que este crê na Maya.
A totalidade inconsciente parece-me, pois, ser o verdadeiro spiritus rector de todo fenômeno biológico e psíquico. Ela tende à realização total e, no que concerne ao homem, à tomada de consciência total. A tomada de consciência é cultura no sentido mais vasto do termo, e por conseguinte, o conhecimento de si mesmo é a essência e o coração deste processo. É indubitável que o Oriente atribuiu ao Si-Mesmo um valor divino e segundo a velha concepção do cristianismo o autoconhecimento é o caminho que conduz à cognitio Dei.

Para o homem a questão decisiva é esta: você se refere ou não ao infinito? Tal é o critério de sua vida. Se sei que o ilimitado é essencial então não me deixo prender a futilidades e a coisas que não são fundamentais. Se o ignoro, insisto que o mundo reconheça em mim certo valor, por esta ou aquela qualidade que considero propriedade pessoal: “meus dons” ou “minha beleza”.

Quanto mais o homem acentua uma falsa posse, menos pode sentir o essencial e tanto mais insatisfatória lhe parecerá a vida. Sente-se limitado porque suas intenções são cerceadas e disso resulta inveja e ciúme...
Se compreendermos e sentirmos que já nesta vida estamos relacionados com o infinito, os desejos e atitudes se modificam. Finalmente, só valemos pelo essencial e se não acedemos a ele a vida foi desperdiçada. Em nossas relações com os outros é também decisivo saber se o infinito se exprime ou não.

Mas só alcanço o sentimento do ilimitado se me limito ao extremo. A maior limitação do homem é o Si-Mesmo; ele se manifesta na constatação vivida: “sou apenas isso!” A consciência de minha estreita limitação no meu Si-Mesmo me vincula ao ilimitado do inconsciente. É quando me torno consciente disso que me sinto ao mesmo tempo limitado e eterno...

Numa época exclusivamente orientada para o alargamento do espaço vital, assim como para o crescimento a todo custo do saber racional, a suprema exigência é ter consciência de sua unicidade e limitação. Ora, unicidade e limitação são sinônimos.

Sem tal consciência não pode haver percepção do ilimitado – e, portanto, nenhuma tomada de consciência do infinito – mas simplesmente uma identificação totalmente ilusória com o ilimitado, que se manifesta na embriaguez dos grandes números e na reivindicação sem limites dos poderes políticos.

Nossa época colocou a tônica no homem daqui, suscitando assim uma impregnação demoníaca do homem e de todo o seu mundo. A aparição dos ditadores e toda a miséria que trouxeram provém de que os homens foram despojados de todo o sentido do além, pela visão curta de seres que se acreditavam muito inteligentes.

O homem tornou-se presa do inconsciente. Sua maior tarefa, porém, deveria ser tomar consciência daquilo que, provindo do inconsciente, urge e se impõe a ele, em vez de ficar inconsciente ou de com ele se identificar.
“À medida que somos capazes de discernir, o único sentido da existência é acendermos a luz nas trevas do ser puro e simples. Pode-se mesmo supor que da mesma forma que o inconsciente age sobre nós, o aumento de nossa consciência tem, por sua vez, uma ação de ricochete sobre o inconsciente”...
[Cf. ‘Memórias, Sonhos, Reflexões’, p. 279/82. C.G. Jung. Nova Fronteira]