Estrelinhas

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O Anjo da Guarda de Paulo Coelho - Um Encontro no Deserto de Mojave.

 V. tem um Anjo Guardião!





O Anjo da Guarda de Paulo Coelho
Um Encontro no Deserto de Mojave.

“E um anjo desceu onde eles estavam e a glória do Senhor brilhou ao redor deles”.
 Lucas, 2,9.
“Estavam de novo no velho trailer. Era à tarde do dia seguinte, e tudo em volta estava cor-de-rosa. Nada parecido com o deserto do dia anterior – dourado, de imensa paz, e vômitos, e enjoos”.
- Quinze minutos – disse Took. – Depois disso, vem à morte, e você nem percebe.

Há 24 horas não conseguiam dormir ou comer – vomitavam tudo que colocavam dentro. Mas agora a sensação estranha estava passando.
- Ainda bem que o horizonte de vocês estava expandido – continuou o rapaz. E que estavam pensando em anjos... Um anjo apareceu.

Era melhor dizer “a alma havia crescido”, pensou Paulo. Além disso, o sujeito que apareceu não era um anjo – tinha uma caminhonete velha, e falava inglês. Aquele garoto já estava começando a ver coisas.
- Vamos logo – disse Took, pedindo que Paulo ligasse o carro.

Sentou-se no banco dianteiro, sem a menor cerimônia. E Chris, blasfemando em português, foi para o banco de trás.
Took começou a dar instruções – pegue este caminho aqui, siga para lá, ande rápido para que o carro refrigere bem, desligue o ar condicionado para não esquentar o motor. Várias vezes saíram das precárias estradas de terra e adentraram o deserto. Mas Took sabia tudo, não cometia erros como eles.

- O que houve ontem? – insistiu Chris pela centésima vez. Sabia que Took alimentava a expectativa; embora já tivesse visto o seu anjo da guarda, agia como qualquer rapaz de sua idade.
- Insolação – respondeu ele finalmente. – Será que vocês nunca viram filme de deserto?

Claro que já. Homens sedentos, se arrastando pela areia em busca de um pouco de água.
- Nós não estávamos com sede. Os dois cantis estavam cheios de água.

- Não falo disso – cortou o americano. – Refiro-me às roupas.
As roupas! Os árabes com aquelas roupas longas, vários mantos – um por cima do outro. Sim, como fomos tão burros? Paulo já tinha escutado tanto sobre isso, já estivera em outros desertos... e nunca sentira vontade de tirar a roupa. Mas ali, naquela manhã, depois da frustração do lago que não chegava nunca... “Como pude ter uma idéia tão imbecil?”, pensou.

- Quando vocês tiraram a roupa, a água do corpo começou a evaporar imediatamente. Nem dá para suar por causa do clima completamente seco. Em quinze minutos, vocês já estavam desidratados. Não existe sede nem nada – apenas um leve senso de desorientação.
 - E o cansaço?

- O cansaço é a morte chegando.
“Não deu para notar que era morte”, Chris disse para si mesma. Se algum dia precisasse escolher uma maneira suave de deixar este mundo, voltaria a andar nua pelo deserto.

- A grande maioria das pessoas que morre no deserto, morre com água no cantil. A desidratação é tão rápida que nos sentimos como quem bebeu uma garrafa inteira de uísque ou tomou um enorme comprimido de calmante.
Took pediu que, a partir de agora, bebessem água o tempo inteiro – mesmo sem sede, porque a água precisava estar dentro do corpo.

- Mas apareceu um anjo... – concluiu ele.

Antes que Paulo pudesse dizer o que pensava a respeito, Took mandou que parassem perto de um morro.
- Vamos descer aqui, e fazer o resto do caminho a pé.
Começaram a andar por uma pequena trilha, que levava até o alto. Logo nos primeiros minutos, Took lembrou-se que esquecera a lanterna no carro. Voltou, pegou-a, e ficou sentado algum tempo no capô, olhando o vazio...

“Chris tem razão; a solidão faz mal às pessoas. Ele está se comportando de uma maneira estranha”, pensou Paulo enquanto olhava o rapaz sentado lá embaixo.
Mas, segundos depois, ele já havia subido de novo o pequeno trecho que tinham caminhado, e passou a acompanhá-los.

Em quarenta minutos, sem maiores dificuldades, estavam no topo do monte. Havia uma vegetação rala, e Took pediu que sentassem de frente para o norte. Sua atitude, muito expansiva, havia mudado – agora parecia mais concentrado e distante.
- Vocês vieram em busca de anjos – disse, sentando-se também ao lado deles.

-Eu vim – disse Paulo. – E sei que você conversou com um.


- Esqueça meu anjo. Muita gente, neste deserto, já conversou ou viu seu anjo. E também muita gente nas cidades, e nos mares, e nas montanhas.
Havia um certo tom de impaciência na voz dele.

- Pense no seu anjo da guarda – continuou. – Porque meu anjo está aqui, e eu posso vê-lo. Este é meu lugar sagrado.
Tanto Paulo quanto Chris lembraram a primeira noite no deserto. E imaginaram de novo os seus anjos, com as roupas, e as asas.

- Tenham sempre um lugar sagrado. O meu já foi dentro de um pequeno apartamento, já foi numa praça em Los
Angeles [Cidade dos Anjos], e agora é aqui. Um canto sagrado abre uma porta para o céu, e o céu penetra.
Os dois ficaram olhando o lugar sagrado de Took: rochas, o solo duro, a vegetação rasteira. Talvez algumas cobras e coiotes passeassem de noite por ali.

Took parecia estar em transe.
-Foi aqui que consegui ver o meu anjo, embora soubesse que ele está em todos os lugares, que sua face é a face do deserto onde vivo, ou da cidade onde morei dezoito anos.

“Conversei com meu anjo porque tinha fé na existência dele. Porque tinha esperança no seu encontro. E porque o amava”.
Nenhum dos dois ousou perguntar qual havia sido a conversa. Took continuou:

- Todo mundo pode contatar quatro tipos de entidades no mundo invisível: os elementais, os espíritos desencarnados, os santos, e os anjos.

“Os elementais são as vibrações das coisas da natureza – do fogo, da terra, da água e do ar – e nós os contatamos por meio do ritual. São forças puras – como os terremotos, raios ou vulcões. Porque precisamos entendê-los como ‘seres’, aparecem sob a forma de duendes, de fadas, de salamandras; mas tudo que o homem pode fazer é usar o poder dos elementais – jamais aprenderá qualquer coisa com eles”...
- “Por que ele está dizendo isto?”, pensou Paulo. “Será que não se lembra de que também sou um Mestre em magia?”

Took seguia sua explicação:
- Os espíritos desencarnados são aqueles que estão vagando entre uma vida e outra, e nós os contatamos por meio da mediunidade. Alguns são grandes mestres – mas tudo o que eles ensinam nós podemos aprender na Terra, porque eles também aprenderam aqui. Melhor, então, deixá-los caminhar para o próximo passo, olharmos mais nossos horizontes e procurar tirar daqui a sabedoria que eles tiraram.

“Paulo deve saber isso”, pensou Chris. “Ele está falando para mim”.
Sim. Took falava para aquela mulher – por causa dela estava ali. Nada tinha a ensinar a Paulo, vinte anos mais velho do que ele, mais experiente, e que, se pensasse duas vezes, descobriria a forma de conversar com o anjo. Paulo era discípulo de J. – e como Took ouvia falar de J.! No primeiro encontro, tentou diversas maneiras de fazer o brasileiro falar, mas a mulher atrapalhara tudo. Não conseguiu saber as técnicas, os processos, os rituais que J. usava.

Aquele primeiro encontro o desapontara profundamente. Pensou que o brasileiro talvez estivesse usando o nome de J. sem que o Mestre soubesse. Ou, quem sabe, J. errara pela primeira vez na escolha do discípulo – e se fosse isso, em breve toda a Tradição iria descobrir. Mas, naquela noite do encontro, sonhou com seu anjo da guarda.
E seu anjo pedira que ele iniciasse a mulher no caminho da magia. Apenas iniciar: o marido faria o resto.

No sonho, ele argumentou que já havia ensinado o que era segunda mente e havia pedido que ela olhasse o horizonte. O anjo disse que prestasse atenção ao homem, mas que cuidasse da mulher. E desapareceu.
Era treinado para ter disciplina. Estava, agora, fazendo o que seu anjo pedira – e esperava que isto fosse visto lá em cima.

- Depois dos espíritos desencarnados – continuou ele -, aparecem os santos. Estes são verdadeiros Mestres. Viveram conosco algum dia, e estão agora próximos da luz. O grande ensinamento dos santos são suas vidas aqui na Terra. Ali está tudo que precisamos saber, basta imitá-los.
- E como invocamos os santos?  - perguntou Chris.

- Pela oração – respondeu Paulo, cortando a palavra de Took. Não estava com ciúmes – embora fosse claro para ele que o americano queria brilhar para Chris.
“Ele respeita a Tradição. Vai usar minha mulher para me ensinar. Mas por que está sendo tão primário, repetindo coisas que já sei?”, pensou.

- Invocamos os santos pela oração constante – Paulo continuou a falar. – E quando eles estão perto, tudo se transforma. Os milagres acontecem.
Took notou o tom agressivo do brasileiro. Mas não falaria sobre o sonho com o anjo, não devia satisfação a ninguém.

- Finalmente – Took pegou de novo a palavra -, existem os anjos...
Talvez o brasileiro não soubesse mesmo esta parte, embora parecesse conhecer um bocado de outros assuntos. Took fez uma longa pausa. Ficou em silêncio, rezou baixinho, lembrou-se do seu anjo, torceu para que estivesse escutando cada palavra. E pediu para ser claro porque – ah, Deus! – era muito, muito difícil explicar.
- Os anjos são Amor em movimento. Que não pára nunca, que luta para crescer, que está além do bem e do mal. O Amor que tudo devora, que tudo destrói, que tudo perdoa. Os anjos são feitos desse Amor, e, ao mesmo tempo, são seus mensageiros.
“O Amor do anjo exterminador, que carrega um dia nossa alma, e do anjo da guarda, que a traz de volta. O Amor em movimento”.

- O amor em guerra – disse ela.
- Não existe amor em paz. Quem for por aí, está perdido.

“O que um garoto desses entende de amor? Vive só, no deserto, e jamais se apaixonou”, pensou Chris. E, no entanto, por mais que se esforçasse, não conseguia lembrar um só momento em que o amor lhe trouxera paz. Sempre viera acompanhado de agonias, êxtases, alegrias intensas e tristezas profundas.
Took virou-se para eles.

- Vamos ficar quietos um pouco, para que nossos anjos escutem o barulho que existe atrás de nosso silêncio.
Chris ainda pensava no amor. Sim, o rapaz parecia ter razão, embora ela pudesse jurar que ele conhecia tudo aquilo apenas em teoria.

“O amor só descansa quando está perto de morrer, que estranho”. Como era estranho tudo o que estava experimentando, principalmente a sensação de “alma crescida”.
Nunca havia pedido a Paulo para ensinar-lhe nada – ela acreditava em Deus, e isto era suficiente. Respeitava a busca do marido, mas – talvez porque fosse tão próximo, ou porque soubesse que ele tinha defeitos como todos os outros homens – jamais havia se interessado.

Mas não conhecia Took. Ele dissera: “Procure olhar o horizonte. Preste atenção à sua segunda mente”. E ela obedeceu. Agora, com a alma crescida, estava descobrindo como era bom e quanto tempo havia perdido.
- Por que precisamos conversar com o anjo? – disse Chris, interrompendo o silêncio.

- Descubra com ele… - Took não se irritou com seu comentário. Se ela tivesse perguntado a Paulo, teria levado uma bronca... [Estraído de ‘As Valkírias’, p. 50/56. Paulo Coelho]. omens sedentgos, se arrastando pela areia em busca de um pouco de água.HHoiHH

Epílogo: “Não estamos sós. O mundo se transforma, e nós somos parte desta transformação. Os anjos nos guiam e nos protegem. Apesar de todas as injustiças, apesar de coisas que não merecemos acontecerem conosco, apesar de nos sentirmos incapazes de mudar o que está errado na gente e no mundo, apesar de todos os brilhantes argumentos do Grande Inquisidor – o Amor é mais forte, e nos ajudará a crescer. E só então seremos capazes de entender as estrelas, anjos e milagres”... (Paulo Coelho).  [Ω].

Luz, Amor e Paz! (Campos de Raphael).